quinta-feira, 30 de julho de 2009

A inverdade Cor-de-Rosa


Dou por mim a flutuar em plena carruagem, envergando o meu cepticismo nato, que me faz focar numa cena digna de ficção. Secretamente presencio e testemunho um casal que ostenta uma áurea assumidamente cor-de-rosa, mas na realidade mal se entreolha, as mãos evitam-se, e os olhares semi-serrados retraem-se e repudiam-se mutuamente. Na realidade não convencem minimamente, nem o mais acérrimo defensor de paixões exorbitantes, eloquentes e arrebatadoras. Nem este, embebido pela altivez dos sentimentos - que lhe tolda a veracidade do pensamento - poderia acreditar naquela farsa orquestrada, pintada de cores berrantes.

Vivem como verdadeiros estranhos que são conhecidos de longa data, sorrisos caídos, beijos trocados de forma ostensivamente contrafeita. O requinte pleno de falsidade vive de aparência e mora nos gestos. Gestos esfolhados e exercitados repetidamente como se de uma peça ensaiada até à exaustão se tratasse. Os trejeitos revelam-se mecânicos, saindo quase forçados. Fogem e iludem o olhar refinado dos mais desatentos. Há quem creia piamente que ali vive de facto, um enlace duradoiro, que resiste à particularidade hipócrita desse amor que no raiar do dia se separe e apenas ao cair da noite se encontra numa cama virgem de afecto.

Divago sob a fábula recalcada, de quando corres para os meus braços, somos um só! Instantaneamente a visão risonha esbate-se em sincronia com o torpor da composição ferroviária. Abate-se de encontro às evidências visíveis. Questiono automaticamente, até que ponto existirão de facto as duas metades de um todo. Se efectivamente somos capazes de ser um organismo comum, que converge para o mesmo final. Fundindo-se num ser único alinhavado à medida dos sentimentos.

Saio na minha estação, vazia por sinal. Numa sintonia irrepreensível com o que coabita lá dentro. No final da jornada desta união desarranjada surge a pergunta dissimulada no ar. Alguém questiona timidamente se finalmente acabou. Ao que o outro responde de forma afrouxa que simplesmente nunca começou…

24 comentários:

Marilena R. disse...

Está tao bonito +.+

Patatine disse...

Quem me dera ter tamanha 'elegância' a escrever. Parabéns André... está muito bonito :)
Beijinho

snoopy disse...

André simplesmente os teus textos fazem-me acreditar que existem pessoas que nao se conformam com a mediocridade das relações! Apesar de saber que te comportas nas relações como quase toda a gente "conformando-te", fico feliz por sentir que apesar disso anseias por cresceres por dentro por aprofundares as tuas relações.Sei que essa procura incessante tem tido varios finais infelizes, mas peço-te nao desistas!
Apesar dos teus defeitos e de seres igual a muitos outros em varias atitudes, tens em ti muito potencial, basta teres força suficiente para te lançares-te e enfrentares!beijinho ja tnh saudades das nossas conversas patetas hihi :)(Desta vez gostei que nao cumprisses a ideia... muitos parabens pela força como tens assumido essa responsabilidade)

M.C disse...

Sabes os textos em que de tão minuciosamente escritos,minuciosamente descrito,te tornam espectador atento..parte da descrição.
Foi assim que me senti agora.Passageira dessa viagem,onde notava perfeitamente a tensão deste casal..
..e com isto quero apenas dizer o tão bem que fazes ao envolver as pessoas nas tuas palavras.
(Quando um casal estranho se torna;apenas afeiçoado ao bom que se teve e nada mais que aparência para os próprios se traduz;o fim,por dor que faça sentir,dá-te a escolha..por algo que te dê vida,te mostre a oportunidade de voltar a amar.)
Beijinho Grande*

Daniela disse...

Boa escrita. Gostei muito.

**

S* disse...

Detesto quando deixa de haver força e os gestos se tornam mecânicos. Ninguem deve viver de forma alienada.

'Mimi disse...

Às vezes as coisas nem começam e arrastam-se anos só porque as pessoas não têm coragem de largar o que tomam como adquirido

Lakshmi disse...

Quero tanto acreditar que existem, de facto, duas metades de um todo!
Sou a eterna sonhadora...Romântica à antiga moda!
Só agora cheguei aqui..adorei o que li, por isso vou dedicar um bom pedaço a deliciar-me com o resto...
Olá, by the way..
Lak

Unknown disse...

Por vezes o amor é confundido com o hábito, ou simplesmente as pessoas vivem um amor imaginário.
Isto tudo só faz com que o amor seja cada vez mais banal, quando este é algo tão único, tão complexo e tão fundamental.
Eu? Eu gostava de saber o que é amar alguém, cheguei a esta conclusão há uns tempos atrás.. Talvez nunca tenha amado alguem e tudo o que vive foi paixão ou simplesmente o sentir a necessidade de ter alguém a meu lado e dando a isso a palavra "amar" quando sem saber nem sabia o que isso significava. As pessoas tendem a banalizar o amor, o mundo de hoje banaliza o amor e eu que tanto quero saber o que é o verdadeiro amor.. Casais como este de que falas não faltam neste mundo..
'Alguém questiona timidamente se finalmente acabou. Ao que o outro responde de forma afrouxa que simplesmente nunca começou…' esta frase diz-me tanto..
Não sei se falas de ti aqui, se és tu que estás retratado neste texto, mas se és, segue em frente, um dia terás algo que jamais terminará e qye simplesmente começou sem tu estares à espera..

Sinto a tua falta meu blogueiro*
Sinto falta das tuas palavras, é estranho mas é verdade.
Sinto que tenho aqui um Amigo*

Quero-te bem..

Beijinho Grande Meu Rebelde :)*

Anónimo disse...

Grande texto (: *

Marta Monteiro disse...

Lá está. Uma espécie de embalagem tosca, uma falsa aparência que, ao mais pequeno olhar, se mostra num imenso vazio de emoções. Não posso perceber como é que algo aparentemente começado a dois pode tornar-se numa rotina tão mecânica, como se algo imposto, que ninguém gosta de fazer. Realmente, é algo que nunca começou.

*

Marta Monteiro disse...

Obrigada por seguires (:

Inês Durão disse...

Foi realmente inesquecivel a viagem, como é obvio só escrevi aquele textinho para pôr as pessoas roidinhas de inveja, e pelos vistos consegui :D **

Inês Durão disse...

Foi realmente inesquecivel a viagem, como é obvio só escrevi aquele textinho para pôr as pessoas roidinhas de inveja, e pelos vistos consegui :D **

B disse...

eu ainda acredito nas duas metades de um todo (como lhe chamas) mas tens razão. o que descreves-te, hoje em dia, é aquilo que mais se verifica!
gostei do texto. és um bom observador, sem falar que és também um óptimo critico e escritor!
acho que se seguires a escrita como profissão, vais longe ;)
*

Anónimo disse...

Tens mesmo um poder com as palavras!
Tudo o que tem inicio tem um fim, mas acredito que o meio pode ser perfeito e o fim nao deve ser trágico!
Beijinho.

Lady Me disse...

Escreves tão bem! :')

Anónimo disse...

obrigada (: (:
além de escreveres bem , conseguires jogar de forma imaginativa com as palavras, tens um vocabulário rico e um registo de lingua fascinante .
Parabéns Andre,

vou ler-te (: *

me disse...

Bem cada texto cada maravilha, tu deves ser o prodigio da zona! lool

continua tens um talento enorme!!!

bjs

Nessinha Moreno disse...

Olá!
Primeiro, quero agradecer pela visita e avisar que o sol reluz com seu brilho máximo pelas bandas de cá. A vida tem sem tornado um arco-iris aos poucos, a cada dia uma nova cor toma conta de mim. ^^

E, quero parabenizá-lo pelo texto. A forma que você escreve é,a cada dia,mais encatadora. Mostra o que não lhe agrada de forma sutil e,ao mesmo tempo,firme.

Pessoas que vivem de aparencias é o que mais encontramos hoje, infelizmente. Se vestem com uma fantasia que só engana a elas mesmas. Mas acredito que existirá um dia que em que todos serão transparentes, se deixando ver como realmente são. Enquanto isso, seguimos nós, deixando que nos vejam por inteiro. ;)

Um ótimo final de semana pra você.

Beijos.

magic hours disse...

Adorei o texto :) *

Orquidea Negra disse...

Gostei muito do teu texto. Fiquei sem saber o que dizer. Esta muito bom mesmo.
Beijos

Jacinta. disse...

Os teus textos são extremamente cativantes :)

Ana disse...

Tenho medo que os meus gestos se tornem tão fúteis e mecânicos como (tão bem) os descreveste...Ou que venham a ter para mim esses gestos tão vazios, cheios de nada.