sábado, 8 de agosto de 2009

Trilho sem Rumo


O vento contínuo castiga-lhe incessantemente a face, fustiga-lhe o corpo já de si dorido de jornadas vividas, sentidas. Carrega sobre si ossadas de fracassos e mágoas afogadas. Caminha a passo moribundo, de momento solitário - ainda que numerosos o ladeiem - embrenhado num sobretudo escuro que lhe corrompe até à alma, que lhe dificulta os gestos frouxos. Assume uma postura esquiva e defensiva perante a multidão, naquela expressão de débil criança assustada. O vulto é carregado, a gola levantada denuncia o propósito de se ocultar dos demais que o rodeiam. Vadia numa quimera sem rota traçada, sem destino aparente. Na realidade navega perdido ao sabor da vida. Cruza esquinas, ladeia vielas, deixa ruelas atrás das costas. Desprende-se do mundo superficial, já não procura a Cinderela reluzente. Não foge com precisão às poças esquecidas da chuva. O seu semblante é agora vazio de cor, de quem não combate o destino.

Há muito que na realidade deixou de acreditar conscientemente em contos de fadas. Lentamente assiste num desespero amorfo ao ritual em que a máquina se vai desligando e afastando numa velocidade estonteante de um sentimento em que muitos apostam tudo e pouco ou nada recebem em troca. O amor faz-lhe na realidade confusão, mastiga-lhe o cérebro, obstruí-lhe a visão e causa-lhe náuseas latentes com a sua doçura excessiva e constante, como que prestes a saltar-lhe à frente dos olhos numa dança triunfante. Há quem afirme a pés juntos, e dedos erguidos de forma incriminatória em juras corruptas, que a insensibilidade lhe tolda momentaneamente o pensamento. Não confirma nem desmente. Rabisca num bilhete, onde deixa assente que lhe perdoem os acérrimos defensores de tão nobre causa, mas que dificilmente será mais um no centro da manada envergando um figurino robótico. Que se recusará a integrar a onda crescente cor-de-rosa, vestida de faz de conta. Dobra uma página onde se lê, que teve em tempos amores ao quadrado, amores que se multiplicaram. Outros que tais, que se dividiram-se, até que por fim tudo se eclipsar e nada sobrar para ser repartido numa nulidade embaraçosa.

Existe um tumulto que fervilha, prestes a rebentar. Um prelúdio de uma detonação de forças gravitacíonais, que ora lhe impulsionam, ora afastam da realidade - nua, dura e crua. O abismo não lhe atemoriza, apenas o caminho a percorrer que se depara à sua frente, em direcção ao derradeiro e melancólico encontro. Ténues vislumbres de vida vivida num panorama remoto de requinte assaltam-lhe e sobressaltam-lhe a alma. De uma assentada ruge e ergue-se. Rejeita uma insistente falsa mão amiga. Afigura-se uma sumptuosa travessia no árido deserto. Pragueja: - Mal por mal, que me acompanhem os que trago em pensamento, no seio do coração e nas memórias do sentimento! Observa sereno o céu. Ainda que não os sinta, ainda que não os visualize. Sabe que os possuí algures por aí. A brisa ventosa abraça-o, envolve-o. Sente então que esses não falharão.

11 comentários:

Unknown disse...

Oh meu querido Rebelde*
É bom chegar deste meu retiro e ver o teu belo comentário..
Engraçada esta linha que nos liga, esta parecença, esta igualdade de pensamentos.
Confesso que ainda não li estas tuas duas novas entradas, mas farei isso o mais rapido possivel. A verdade é que acabo de chegar do Algarve e é complicado. Nem muito inspirada para escrever estou, o cansaço vai-se apoderando de mim.

O meu retiro foi bom, relaxante, divetido e pude principalmente por as ideias em ordem, pensar um poucos mais em mim e entender tudo aquilo que me rodei.

Agradeço desde já as tuas palavras de conforto e de confiança em mim mostradas no meu blog :)* É bom sentir esta amizade apeser de todos este desconhecmento. O que me parece é que já nos conhecemos tanto ou mais do que se vivessemos lado a lado, na mesma cidade. talvez nessa situação nem dariamos valor um ao outro e muito possivelmente nem nos conheceriamos. Os nossos textos são um reflexo daquilo q somos, daquilo que sentimos e isso faz com que nos conheçamos de uma forma tao diferente mas ao mesmo tempo tao especial.

Ah, um aparte, Ladybird = Joaninha :D

Bem... penso que para já é tudo..
Beijinhos meu Andrezito, I'm Back!

Lexy disse...

É tão mais impossivel descobrir uma realidade em que os finais felizes sejam simplesmente mais que contos de fada que,neste momento,vidas assim se desenrolam tão toldadas de um negrume que oprime.
Revejo tantas passagens de uma vida neste texto que é difícil encaixá-las com precisão mas ao mesmo tempo,é como se sempre tivessem feito parte deste puzzle verdadeiro:)

A repetição não é muito o meu forte,mas novamente,o teu sentido impregna cada palavra de um significado profundo:)

Nessinha Moreno disse...

André, não sabes como ler um comentário seu me deixa mais feliz. É quase tão bom quanto vir aqui e ler seus textos, que me encantam e fazem refletir. Por vezes eu leio e releio para que a cada releitura eu possa extrair melhor cada uma de suas palavras. Adoro lê-lo.

Chegar lá na frente e parar pra refletir sobre o passado, às vezes pode ser muito difícil e doloroso.
Contos de fadas realmente não existem, mas o que as pessoas buscam é um conta levemente modificado pela realidadem, mas, será que isso existe?

Não sei se foi essa a intenção, mas entendo que as coisas podem ser diferentes, dependendo de onde se olha, quando, lá no começo, você diz 'o vento contínuo castiga-lhe incessantemente a face' e no final, o mesmo vento, se torna a 'brisa ventosa' que o abraça.

Muito boniito. Parabéns.

Beijos.

Patrícia Lara disse...

Oi, André!

Passando para ler-te.

Que belíssimo texto! Vc constrói imagens fantásticas e leva o leitor a sensações indescritíveis com a sua forma de escrever.
Parabéns!

Um abraço,
Patrícia Lara

Ana disse...

Se não fosse um ele, poderia ser eu! :)

Adorei ;)

M.C disse...

Gosto de pensar que os conselhos que as pessoas dão ás outras,pensando que são de forma autentica como os teus me parecem,mostram uma parte da personalidade..assim,quer-me parecer que és uma pessoa cheia de força e vontade de vida.Pura.
Beijinho grande*

Lady L disse...

Às vezes o caminho parece incerto, a estrada parece ter muitos buracos e nós deixamo-nos conduzir por algo/alguém que nos parece ser a melhor a escolha. Algures no meio deste processo vamos deixando de ser crentes, o brilho vai-se perdendo pelo caminho e nada do que alguém possa dizer para nos animar, pode eventualmente cicatrizar as feridas deixadas nos pés devido à viagem que teimamos em fazer. Quando assim o é, devemos parar. Não , e nada é tão fácil quanto parece. Mas dizem que parar é morrer, aqui irá ser (re)nascer. Esperamos por outro peregrino, tal e qual como deve ser visto. Um peregrino da Vida. Que faz o mesmo caminho que nós e assim concluirmos, que nunca estivemos sozinhos, apesar de nunca eventualmente termos esbarrado com outros iguais a nós. Ás vezes só é preciso isto, parar e esperar. O Mundo continua a girar na nossa ausência.
Outro texto que dá que pensar, outro texto que nos faz viajar através da tua tão característica essência.

"Pragueja: - Mal por mal, que me acompanhem os que trago em pensamento, no seio do coração e nas memórias do sentimento! Observa sereno o céu. Ainda que não os sinta, ainda que não os visualize. Sabe que os possuí algures por aí."

Beijinho grande meu André! :)

Joana ' disse...

Olá André...
Passo para agradecer-te o comentário que me enviaste, agradecendo, claro, a força e coragem que tentaste transmitir-me, através das tuas palavras..
É verdade que a razão tem muitas vezes que se sobrepôr ao coração, foi o que aconteceu comigo. Não conseguia mais suportar a situação em que estava, por isso desisti... Nunca fez parte da minha personalidade, mas existem situações em que pomos de parte tudo aquilo em que sempre acreditámos para conseguirmos seguir em frente!..


Em relação aos comentários que te deixo e aos elogios neles presentes, são sinceros e são merecidos! Tu tens muito valor, a forma como te expressas torna-o evidente.
É um prazer ser tua seguidora... =)



Beijinhos André

P.S. Mais um grande texto, daqueles a que já nos habituaste ...

me disse...

Só sou simpatica para quem quero ;)

ahhhh e quando publicares um livro ve se me avisas para tar na fila da frente e comprar em primeira mao :P

kiss

messy disse...

Ando com especial dificuldade em fixar-me em alguma coisa por mais de alguns segundos...

Mas, cheguei aqui, comecei a ler e não parei até ao fim. Perfeito, muito! Poucos li assim. Não há uma falha nesse encadear de pensamentos (:

Grande beijoca*

Sophia disse...

Adorei : D
Vou seguir ^^