quarta-feira, 16 de junho de 2010

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Deixaste-me à deriva, solitário num cais caído. Enquanto isso entravas numa embarcação, sem olhar para trás por uma só vez sequer. Não esboças um qualquer trejeito de remorsos. Embarcas num barco sem uma única palavra vã de adeus. Um barco que parte para bem longe de mim, da minha curta vista. Irá navegar para o horizonte com que sempre sonhaste e nunca me revelaste. Finalmente agora conseguiste. Observo-te do chão sem nada poder fazer, numa perspectiva disforme. Entras degrau a degrau numa posse altiva com a tua bagagem vistosa. Escondes o teu olhar comprometido por detrás de uns óculos escuros. Tão escuros como a mancha negra que deixaste no meu coração agora vincado. E não me diriges sequer um mero olhar de despedida. Partes em direcção a outros que se afiguram agora no horizonte. E abandonas-me assim, na nossa ex-casa de sempre, despida e vazia. Deixaste tudo para trás. E ao mesmo tempo tudo levaste. Quando dou por mim encontro-me por terra numa sala encolhida e vazia, sem me lembrar sequer de cá ter vindo parar. Tudo estanque. Ainda me encontro nesse cais, tentando chamar-te à razão, grito sem me ouvires, trancado entre quatro paredes que me comprimem o ar. Avisto ao longe o teu cabelo longo esvoaçar ao sabor do vento. Pareces-me feliz lá longe e sorridente, afinal rumas ao destino pretendido de sempre. Eu esbracejo, clamo a viva voz por ti, mas já nada te prende aqui. A mim.

"Pois eu não tive a noção do seu fim(...)"

Encontro-me novamente por terra no meio de uma sala fechada, vazia e assombrosa. Vejo-me despido nesta estranha escuridão que agora é corrente habitual. Presianas cerradas ao mundo. À espera por um regresso em vão. À espera de quem não volta mais. Caminho agora apoiado em paredes por um corredor com marcas esquecidas de sangue, onde agora descansam apenas as lágrimas que deixo cair. Um corredor de momentos únicos. Gargalhadas de recordações ecoam saudosas, aquelas que ficaram gravadas no coração. Uma dor queima no meu peito. A tua ausência. Corredor das primeiras descobertas ainda a medo. Dos primeiros beijos trocados com um fervor imenso. A reveladora descoberta dos meus lábios colados de encontro aos teus com tamanho impacto. No contacto encantador e por vezes ainda atabalhoado, percorríamos com as nossas mãos vorazes, a novidade da descoberta de um corpo novo, desconhecido, que naquela hora julgava perto de me pertencer. Corredor feito de sustos de morte, onde te despertei para a vida. Acordo-te de encontro ao meu peito, tive tanto medo de te perder naquele momento. Mas mantive-te firme nos meus braços com uma força tremenda, uma crença ímpar em nós. Não te ia deixar ir, isso nunca. Com uma ferocidade férrea sustive-te para não mais te largar, nunca mais te ver partir. Tive tanto medo de te perder meu amor. Mas guardei-te ali, junto ao meio peito, num abraço profundo e assustado. Pensei que depois disso, nada já nos poderia separar mais. E tão longe que estavas de mim já. Nunca te tive realmente.

"E ao que eu vejo, tudo foi para ti, uma estúpida canção, que só, eu ouvi"

Apenas gostavas da ideia de gostares de mim, palavras tuas que não me saíem da mente, do coração desfeito. Ecoam vezes infindáveis sem dar descanso à alma. Tamanhas palavras, e tanto que fazem doer. Foram flechas certeiras que penetraram bem cá dentro, atingindo-me de forma cruel e traiçoeira. Ontem madrugada fora sonhei-te assim, um sonho que se confundiu com uma tormenta. Quando por fim despertei, vi que a realidade era na verdade o meu pior pesadelo.

"E eu fiquei com tanto para dar(...)"

Porque te deixei entrar de forma tão profunda dentro de mim? É a questão que ocupa os meus dias. Lá fora por entre as brechas vejo o sol brilhar, os sorrisos estridentes no ar. Mas cá dentro, por todo o meu interior chove torrencialmente, uma tempestade que não se esgosta. Será que perdeste a chave da nossa casa que em tempos trocámos com tamanho carinho? Ou simplesmente trocaste a fechadura, sem me avisar previamente. A minha chave, é agora não mais que velha e ferrugenta, sem para nada servir. Não abre mais o caminho para o teu coração. Pesa tanto em mim, tê-la ainda tão presente. Mas irei mantê-la neste deserto que agora percorro, Um dia lembrar-me-á do imenso valor que ostentou em tempos remotos.

"A cidade está deserta, e alguém escreveu o teu nome, em toda a parte (...)"

O chá repousa frio na mesa à tua espera. Mas já não vens, eu sei, já não o bebes a meu lado trocando sorrisos puros. Sento-me por fim sozinho. Estás para lá do horizonte. Nesse barco malfadado onde decidiste embarcar, sem sequer olhar para trás. Eu continuo por lá naquele cais perdido, precisamente no local onde me largaste a mão sem qualquer espécie de aviso. E ali fiquei estendido.

"Em todo o lado essa palavra repetida ao expoente da loucura, ora amarga, ora doce, para nos lembrar que o amor, é uma doença, quando nele, julgamos ver a nossa cura."


5 comentários:

S* disse...

Sabes que esperar por alguém dói, mas inexplicavelmente eu gosto dessa dor. Gosto do apertar do coração, do saber que dei o meu melhor. Gosto de amar.

Unknown disse...

Sempre que posso passo por aqui e leio os teus textos. São todos muito bons, mas adorei em especial este... para além de fazer citação de ornatos violeta (acho o manuel cruz um excelente compositor), a tua escrita é muito muito boa e percebe-se o sentido das tuas palavras. Parabéns*

Unknown disse...

Sempre que posso passo por aqui e leio os teus textos. São todos muito bons, mas adorei em especial este... para além de fazer citação de ornatos violeta (acho o manuel cruz um excelente compositor), a tua escrita é muito muito boa e percebe-se o sentido das tuas palavras. Parabéns*

Philipa C. disse...

Esperar dói, mais ainda quando sabemos que a pessoa não vai voltar, ou não pensa em voltar. Mas há sempre uma esperança em nós. Continuamos a acreditar na pessoa, que algo mudou por instantes mas que pode tudo resolver-se.
Passei muito tempo assim, sem obter respostas, sem saber dele, completamente ignorada. Tentei, mas ele colocou barreiras em tudo. Percebi recentemente o motivo, mas para mim, não era motivo para terminar, mas sim para conversar. Ele fez a sua escolha sem me dar a palavra. Felizmente, apesar de por vezes sentir saudades, hoje já não estou à espera, nem de uma mensagem ou telefonema.

É complicado e esperar dói.. Mas acredita que é possível reconstruíres o teu coração e levantares-te dessa "sala fechada, vazia e assombrosa" para seguires em frente.

E já agora, bom gosto musical ;)

Beijinho!

Rebelde disse...

@: S*: Acredita S, doí e de que maneira. A única coisa, que gosto e me orgulho, e de poder andar com a cabeça bem erguida, e afirmar a viva voz, que fiz tudo por essa pessoa, que fiz tudo por esse amor que dei tudo de mim. E saber que não carrego em mim, o peso da culpa e das más acções. Isso basta-me. Espero também um dia gostar de amar. Alguém que me ame de preferência. ;)



@ Lara Filipa GV: Muito obrigado pela dedicação aos meus textos Lara. :) Sem dúvidas que os Ornatos e em especial o Manuel, têm um talento desmedido. Muito obrigado por tudo. :) *



@Philipa C.: Esperar dói. Magoa. E dói de uma maneira tão funda, tão cortante, que por vezes nos parece insuportável. Mesmo que queiramos a esperança vã e estúpida, continua sempre cá. Continuamos a acredita na pessoa, que ela na realidade não é. Então isso essa pessoa, anda completamente descansada pouco ou nada preocupando-se com o nosso estado os nossos sentimentos. Afinal o que na realidade interessa, são elas mesmo, e o seu umbigo, e a sua consequente satisfação. Nós somos, só algo, que deixámos de ter uso, ou importância. Peças substituídas.
Também eu passo, muito tempo assim, sem obter uma qualquer resposta, sem uma qualquer justificação para os actos cometidos. Ignorado em escala máxima. Mas mesmo assim, ontem mais uma vez humilhei-me ao enviar uma mensagem. Hoje começo também a não esperar mais, para bem da minha sanidade mental. Hoje começo a cair na real, que não vale a pena lutar por que simplesmente não merece, e não é bom para nós.
As muitas saudades ficam cá como marcas permanentes. Fica a indignação, raiva e frustação por ter sido usado. Quando me entreguei de corpo e alma.

Eu vou acreditar, e tentando acreditar, mesmo que me pareça impossível à vista. Que é mesmo possível renconstruír o coração feito em pedaços. Mesmo que agora me pareça uma tarefa quase impossível, uma tarefa que não está ao meu alcançe, sobre-humana. Vou ter que seguir em frente. Agora sozinho, Mas terei que seguir na mesma. Muito obrigado pela força. ;)

Quanto ao bom gosto musical, acho que posso aplicar e dizer o mesmo em relação a ti, é recíproco. Visto que também aprecias, é mútuo. Por isso parabéns. :)

Beijinho*