domingo, 13 de junho de 2010

Inocência perdida

Visualizo em retrospectiva e em modo contínuo a derradeira e última vez em que os meus olhos tocaram no teu figurino. Desceste apressada de um autocarro, e deixaste a meu lado um banco amorfo, abandonado e vazio, onde hoje ainda sinto a tua presença. Lembro-me na perfeição, que já fora da composição, olhaste para mim e esboçaste-me um sorriso rasgado,o tal que sempre me aqueceu e soletraste num gesto fluído um Amo-te Muito Amor! - carregado de hipocrisia até mais não - que como sempre me encheu a alma. Que viajava de forma reconforante comigo e me acompanhava na sempre tarefa difícil de me levar para longe de ti. De forma tão inocente pensava eu, seria apenas mais uma vez, e isso sossegava-me, em breve estaria de volta à cidade que nos viu nascer. Enquanto tu planeavas e conspiravas, o golpe fatal que me aplicarás dias mais tarde. Iludias-me uma última vez com a tua frase tipíca: - "Não, é um Adeus, lembra-te que é um Até Já". E eu acreditei tal ingénuo. Pedias-me de uma forma que eu jurava ser sincera que ficasse contigo ali, do teu lado, onde nada nos podia separar. E eu cego acreditava nas tuas palavras. Traçava cenários que agora à distância se revelam meramente imaginários. Esboçava constantemente esforços a fim concretizar uma volta de 180º graus na minha vida, que mudasse o centro da gravidade do meu mundo para onde te encontravas, para te ter sempre por perto e realizar um sonho que eu julgava conjunto. Não ciente, do que pelas costas conspiravas as mais terríveis acções.

Davas-me a mão, mas já planeavas trocar-me como uma mera peça de roupa suja, que trocamos diariamente. Tendo-te bastado numa mera conversa encontrado outra que à tua vista te pareceu mais imaculada e que te embeleza de forma mais sublime. E foi assim que simplesmente e num gesto repentino me substituiste como peça que agora se mostra indesejável. Idealizavas a meu lado, um mundo perfeito, cenários a longo prazo, onde seguíamos em paralelo. Nesse dia, nesse autocarro, eu estava longe, muito longe de sequer imaginar a pessoa fria e calculísta, que agora demonstraste ser. Enquanto me enchias de carinhos e envolvias em abraços fantasiosos que só existiam para mim, tinhas em mente um plano certeiro para me derrubar por terra. Foram oito, oito meses de pura ilusão, de páginas vazias onde vivi sozinho sempre sozinho, onde me entreguei de corpo e alma, como nunca ninguém teve tal privilégio, a uma pessoa que na realidade numa existiu nem existe. Só para mim e em consequência para o meu coração. Só os meus olhos conseguiram visualizar tal pessoa que não existe, uma figura que tão bem caracterisaste.

Levaste-me até ti, com as tuas palavras doces e ponderadas. Por ti viajei quilómetros incontáveis, sem fim. Por ti abdiquei de mim, enquanto prometias a meu lado ficar, pedias a minha presença constante, fazendo-me crer numa realidade paralela, que nunca sequer existiu. Pedias-me e eu dava-te. Era assim a nossa relação, a minha devoção por ti, que superou os mais altos muros e obsctáculos. Eu corri até ti, mesmo quando nem andar sequer podia. Cometi actos poucos sensantos, quase ilegais, para te avistar por perto. Mas sempre julgando que os fins justificavam os meios. Entreguei os meus anéis. E quando não os tive, dei os dedos de bom grado por ti. Enquanto isso, tu fingias, manipulavas o meu ser. Utilizas o teu amor de farsa, para me cativar e aconchegar a ti. E hoje, na altura, em que simplesmente não mais precisaste, deitaste-me fora, como um mero saco de lixo, igual a tantos outros em que em conjunto colocámos no caixote na rua lá em baixo. Nesses momentos, eu imaginava-me secretamente sem te confessar, a realizar isso a teu lado, diariamente e daqui a muitos anos, numa casa tão só nossa, talvez para sempre. Mesmo quando as nossas pernas já se sentissem demasiado cansadas da velhice que transportavam sobre o peso de si mesmas. Via-nos assim cúmplices. Mas hoje sou apenas o saco cheio de lixo que anseias por deitar fora. Que tu agora carregas sozinha e abandonas a solo no mesmo caixote de sempre lá em baixo de frente para a escola. Hoje não sou mais eu, que desco no elevador a teu lado, para executar tal tarefa, enquanto partilhávamos uma conversa, ou um beijo dado em passo apressado, pois os três pisos que nos separavam do chão, eram uma viagem relativamente curta.

E eis que resolves tudo com um simples telefonema de forma gélida. Como se um contrato estivesses a fechar. No dia anterior, eu era o teu amor. Na manhã seguinte era um estranho que passa por ti na rua, e ao qual não prestas a mínima atenção, nem perdes um mero segundo a observar, tal figura morta de encanto. De modo frio e racional ditaste a minha sentença, tal assassina, que apenas privilegia os seus objectivos, sem te preocupares por um momento com os meus sentimentos, com o estado em que me deixaste. E quando o(s) conseguiste, eu deixei de ser um elemento fulcral e relevante. Agora era apenas um brinquedo velho e usado, quebrado que arrumaste na tua prateleira esquecida para sempre de forma eficiente, o valor que outrora tive, era agora nulo. Outros se levantaram no meu lugar, e ocuparam o meu espaço. E tu com os teus gestos nobres executaste um troca que não te custou um pingo de esforço. Para ti, apenas contas tu, a tua felicidade o teu bem-estar. O eu que fui para ti, apenas se revelou descartável. Conquistaste-me em noites quentes de verão que jamais esquecerei, e parecias tão perfeita, pensava eu. Tão Tu. Como se na realidade fosses aquilo que as tuas palavras transpareciam para mim. E eu jamais sonhava que brincavas com o meu coração com mera peça de xadrez num jogo, que jogaste por puro prazer ou mesmo divertimento, de forma pensada, movendo os teus peões conforme os teus reais interesses. A tua tão apregoada sinceridade, nunca se revelou em oito longos meses de viagens que fiz em sentido oposto. Conheço os percursos de cor, inúmero as estação de trás para a frente, vezes repetidas, afinal é tudo o que resta. No fim de contas, nem minha amiga conseguiste ser. Com o teu amor falso, fizeste-me ser, não mais que um número isolado, parte integrante de uma estatística de pessoas que passaram pela tua vida, e te foram úteis em determinado momento, em determinada altura. Hoje ocupo o lugar dos dispensáveis, dos que já não apresentam utilidade alguma. Hoje que não precisas mais de mim, simplesmente ignoras-me de forma repugnante. Esqueceste-te rápido dos momentos, das sensações, das emoções vividas. Ou será que nunca existiram realmente e verdadeiramente para ti? Afinal foi isso, Sim! Para ti tudo foi, não mais que um deserto vazio de mentiras em vão. E eu via-te tal e qual um oásis rectilínio e perfeito, que me fascinou desde o primeiro momento e para o qual corria, o meu fiel porto seguro, pensava eu. Triste e tamanho inocente que fui.

Sofro agora em silêncio, choro desenfreadamente nas horas calmas e mortas da escuridão da noite, para que ninguém mais ouça os gritos estridentes da minha alma. Choro por quem não merece uma ínfima lágrima que seja. Por quem nunca existiu, fantasma de um amor, que só eu vi, tal aparição. Espero um telefonema horas infíntas, que nunca chegou. Que apenas eu acreditei que alguma vez chegasse, mas mesmo com tudo o que me causaste, eu ainda acreditei em ti. Mais uma facada, mais uma mentira, só mais uma. A repetição trás a habituação, e eu vou-me resignando à tua real face. Que agora deixou cair a mascara que sustentava por completo. O amor consegue ser realmente cego, e tolda-nos a alma a visão e todos os restantes sentidos. Hoje no meu canto, refugio-me de tudo, do mundo. Tento apagar recordações à força de uma borracha tão surpreendida como eu próprio. Recordações que agora nada valem efectivamente. Tento conter um rio de sentimentos, que jorra continuamente teimando em não estancar. Uma ferida a céu aberto no centro do meu coração. Sei que estou sozinho, mas hoje tenho plena consciência, de que não mereces o meu sofrimento. Mesmo que ele exista e é real, bem real. Um dia ele irá amenizar, um dia irei sorrir para a vida, mesmo que hoje as lágrimas escorram rosto abaixo sem quererem cessar.

E tu deixa-me que te diga, não te auguro futuro risonho - ainda que o deseje com todas as minhas forças - as pessoas mentirosas, acabam por receber o pagamento na mesma moeda do reflexo dos seus actos. Espero sinceramente que não seja o caso, o teu não. Ainda assim, tens plena noção que não te desejo mal algum. Que continuarei a torçer por ti na primeira fila, tal como sempre, ainda que agora por fora. Continuarei a ser o primeiro a festejar os teus sucessos, a ficar orgulhoso dos teus feitos, e a exclamá-los ao mundo, mesmo que não o saibas na verdade. Acabarei por estar por aí tal como em todos os outros dias, mais perto de ti, do que alguma vez terás noção. Serei o mesmo que te ajudou nos momentos menos bons em que mais precisaste. Serei o mesmo, aquele que esteve lá, quando mais ninguém esteve por ti e sempre para ti. Aquele que não arrendou pé, face a que consequências fosse. Por ti hoje, tal como ontem. Hoje sei, que não me desejas, nem me dedicas um tão teu - Até Já Amor!; Mas sim um Adeus Cruel. Foi pena, não o teres sido capaz de o realizar, quando eu estive por perto de ti. Sabes, queria ter tido tempo de me ter despedido de tudo o que foi importante para mim ao longo destes oitos meses. Que vão deixar muitas saudades, imensas recordações. Talvez um dia o faça sem o teu conhecimento. Despedir-me dos locais, que jamais visitarei. Da casa, que jamais pisarei que contém recordações ímpares. Da cama onde jamais dormirei abraçado a teu lado, desejando-te boa noite em mais uma de muitas madrugadas onde trocámos confidências. Foi pena, não me teres encarado, e não me teres permitido um adeus, uma despedida condigna com aquilo que eu sempre fui por e para ti. Na realidade eu não pedia muito, só que tivesses aberto o teu coração para mim, e que me desses um abraço sincero de despedida de alguém que sempre lá esteve presente por ti. E quem sabe, talvez uma palavra amiga, de força de garra e alento para enfrentar as trevas que aí vinham em minha direcção. Mas não, deixaste o autocarro arrancar, com um sorriso nos lábios que cristalizei na minha alma. E de forma cruel pegaste no teu telemóvel, e numa voz fria apenas reservaste uma palavra para mim - Acabou. Depois o silêncio.



4 comentários:

Philipa C. disse...

Adorei o texto tão sentido. E identifico-me tanto com o que escreveste..!

Força, parece o fim, mas precisas de te levantar e seguir. Custa imenso, eu sei, há pouco tempo passei por uma situação tão semelhante à tua, e felizmente estou a ultrapassar. Demorei mas estou a conseguir.

Espero que consigas também. *

Rebelde disse...

Olá Filipa. :)

Antes de mais, muito obrigado por teres gostado tanto assim do texto. Quando à parte da indentificação, só nos podemos lamentar mais é a vida, não é? Só conhecendo as pessoas erradas, e que nos fazem mal, podemos um dia distinguir as certas, as que nos querem bem e que gostam de nós realmente.

Muito obrigado também pela força, acredita que é importante, ter pessoas a dizerem-me coisas do género, a empurrarem-me para a frente. A fazerem-me ver que a vida não termina aqui e hoje. Custa muito, e doí bastante, quando somos enganados.

Fico feliz por saber que felizmente estás a conseguir lidar e a reagir tão bem com a situação. Obrigado por tudo, eu vou tentar seguir o teu caminho e superar tudo. É esse o segredo. Beijinho grande. :) *

Philipa C. disse...

Concordo. E sim, é esse o segredo :)

É natural que não conhecesses o meu blog. Já sou adepta deste mundo há bastante tempo mas sempre escrevi só para mim, não tinha ainda divulgado muito o meu blog. Mas hoje decidi fazê-lo, até porque muitos blogs eu já acompanhava, só não era seguidora oficial :P

Do que li do teu adorei, tens aqui também mais uma fã ;)

Beijinho*

Rebelde disse...

Também concordo que seja esse o segredo, de modo a separarmos o trigo do joio. Ou literalmente das pessoas que gostam realmente de nós, das que apenas brincam com os nossos sentimentos. Coincidência das coincidências, é que a "história infeliz", chamemos-lhe assim, decorreu pelos vistos na cidade onde estás, que me trás tantas recordações tão agridoces. Mas mais uma vez obrigado pelas palavras. ;)

Fazes muitíssimo bem eu divulgar o teu blogue -cá estarei para o ler -, e dar voz, ao que transportas na alma.
Muito obrigado pelo facto de seres minha fã. É bom saber que as minhas palavras, não fazem eco no vazio, e têm importância, para quem as lê. ;)