domingo, 31 de outubro de 2010

Symphony.


Atravessaste-te num ápice à minha frente. Patenteaste-te na minha rota e num assombroso colocaste o pé na primeira risca da passadeira que nos separava. Cruzaste e ludibriaste o destino só para que me fosse possível contemplar a tua face translúcida e jovial. O propósito tem destas incoerências, tem destes desatinos, que nos baralham e trocam as voltas da alma. Coloca-nos como que entre a espada e a parede, coloca-nos numa espécie de avesso que desaprendemos a reconhecer tamanha é a falta de prática. Vemo-nos apanhados desprevenidos quando acasos do género ocorrem. Ou será que sempre estiveste predestinada a entrelaçar-te comigo, só para me provares que é possível sorrir, mesmo quando me encontrava – desesperadamente - a empreender uma marcha de fuga à velocidade da luz das trevas alarmantes. As excepções sempre ocorrem quando não as desejamos e muito menos as esperamos embrulhadas a papel reluzente à porta de casa. Desconfiado limitei-me a observar-te enquanto colidias violentamente com a serenidade da minha existência, colocando em desvario a pacatez do meu dia-a-dia enfadonho.

Assim eras tu, vinhas vestida de imprevisibilidade em estado imaculado. Despida de quaisquer desígnios ou mesmo objectivos. No marasmo de um mar de almas idênticas eras genuinamente tu. Tinhas para oferecer aquilo que com precisão eras, nada mais. Tu que preenchias com uma palete de cores às cegas um espaço austero e desprovido de conteúdo estético e harmonioso.

Enquanto lutava por extinguir fogos envelhecidos que teimavam em tentar o prado das paixões mortificadas, surgiste do nada e obrigaste-me a ficar cansado de escrever sobre negrume. Sobre o preto que cobria a minha subsistência momentânea. Anunciavas que vinhas em missão, cavavas o buraco onde enterraríamos juntos a sepultura de todas as dores antecedentes. De repente luz ao fundo do túnel, quando quase já tinha esquecido o aroma e o sabor renovador de primavera que sempre dá azo a um novo amanhecer. Afinal todos os invernos têm um fim merecido, por mais rigorosos e prolongados que possam sugerir ou mesmo parecer.

Enverguei a alegria esquecida, vesti um sorriso contagiante com urgência de um aprendiz e saí. Saí à rua radiante por te encontrar, por te descortinar novamente no meio da multidão de caras indecisas e maldispostas. Queria sentir o arrepio eléctrico que percorre o corpo por completo, aquando da descoberta que é contemplar-te dia após dia e confirmar que continuas irrepreensivelmente perfeita. Fechei os olhos para idealizar mais uma vez o sonho que são os teus traços. Sacudo de cima de mim os pingos de chuva esquecidos. Todos os poros irradiam anseio por sentir o calor da tua mão na minha. Tenho-te como um quadro abstracto que só eu consigo descortinar e perceber a tua real essência. Dás vida colorida a lugares onde reinava a descrença. O teu plano é perfeito, mesmo que não tenhas nenhum. Mesmo que não passes de ficção na minha mente, soas como a mais doce sinfonia.

10 comentários:

Chamem-me o que quiserem - desde que me chamem. disse...

Continuo à espera do livro. Do que estás à espera para começar contactos com editoras?
um beijinho.

Catarina disse...

os teus textos tocam mesmo a perfeição! são sempre todos tão bonitos e sinceros...

Poetic Girl disse...

Os teus textos são uma linda sinfonia... bjs

Mafalda disse...

Não podia gostar mais de te ler ao final do dia, adoro, adoro sempre o que escreves*

Anónimo disse...

Muito Bom o Blog Parabéns!

Flávia Marie disse...

Excelente escrita. Faz-me rever em ti um pouco de mim que se perdeu com o passar dos tempos. Enfim. Um livro é para quando? (: - nova fã.*

CHAOS disse...

A Cláudia Rodrigues tem toda a razão, devias escrever um livro. Acho que já disse isto, mas volto a dizê-lo: adora escrever como tu!

Mafalda disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Rebelde disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Catarina disse...

Escreves muito bem.
Descreves bem o momento e adoro como utilizas cada palavra.
Continua*