terça-feira, 11 de agosto de 2009

Sintonia Colateral


Quando dei por mim, saltava a margem de forma abrupta. A margem que teimava em nos separar. Saltava numa tentativa atormentada de fechar espaços. Desenfreadamente seguia em paralelo com algo que ainda não conseguia desmontar, raciocinar com clarividência. Parecia-me irrisório, encontrar uma explicação para aquele recatado nascer do sol que agora penetrava pelo centro da janela da minha vida. A tal virada para o mar, que nos oferece uma vista privilegiada para o coração. Constatava que preenchia as quatros paredes da alma.

Assistia prepotente ao seu crescimento peculiar, enquanto que nesse acelerado processo, ela crescia a olhos vistos e apropriava-se. Entrava sem pedir licença nem aviso prévio. O anúncio já não apresentava traços da timidez de outrora, mas sim um ávido à-vontade familiar, de quem reclama a sua posse. Abre-se ao mundo em consonância com o sorriso desprevenido que se expressava entreaberto. Vagamente lembro-me de buscar incessantemente uma explicação plausível, que justificasse o injustificável da razão, face à magnitude dos factos. Foi assim, que me rendi à evidência cega. Existem coisas que o são, antes mesmo de os céus o brandirem, antes mesmo de o sabermos que na realidade existem, verdades que co-habitam e fazem parte do íntimo de nós. Encontram-se perfiladas à espera que alguém lhes toque e pressione o botão que despoletará o seu lento despertar. Amaciai, não lentamente, mas instantaneamente, a tímida natureza camuflada que se esconde por baixo de uma capa visível mas pouco estável, de quem é imune, tombou à primeira tentativa, aparentemente fácil.

Pegaste em mim, talvez no único momento que seria verdadeiramente possível, num segundo pleno de fortuna revestido de sorte. Um equívoco que o tempo nos brindou. A fronteira ruiu e cruzaste os meus limites como se sempre os tivesses conhecido, como se na realidade te pertencessem. No último momento, no último apito para a descolagem, deste um passo firme em frente, de braços abertos acolheste-me e entraste em mim com uma ferocidade tremenda, mesmo sem conhecimento de causa, mesmo sem percepção. Chegaste vestida de raio de sol radioso pela manhã. Ofereceste-me os bons-dias enquanto acenávamos em conjunto despedidas à noite ainda visível, agora vencida. Uma mão apresenta-se sorrateira de mansinho. Timidamente mostras-me a chave de algo por desvendar. Algo que eu não conseguiria agora negar, dada a sua evidência latente. Eu tinha cerrado e fortificado as portadas que conduzem ao jardim do Éden. Obstruí as passagens secretas. Escondi-me do mundo, e ocultava comigo sentimentos e emoções que ardentemente rasgava e amarrotava. Mas num gesto, talvez como que a justificar a tua postura irreverente, forçaste a janela mais alta e distante da torre. Tomaste-a de assalto para ti, nunca te mostraste derrotada, eu via-o, mesmo sem o poder, contemplava-o com o olhar. Não te subjugaste ao forte cadeado que ladeava o portão. Ignoraste o sinal que barrava a passagem, e quebraste as amarras. E eu tal soldado errante e perdido, fingia sem jeito, querer-te empurrar, quando na realidade ansiava a tua chegada, madrugada fora. Contava os minutos e amaldiçoava os ponteiros. Agora já o sabia, agoniava pela tua chegada.

Quando dei por ti, fi-lo com aquela expressão atónica de quem é apanhado de surpresa. Uma tentativa tremendamente falhada. Um fracasso anunciado. A surpresa era esperada e secretamente desejada. Quando um céptico se depara cara-a-cara com a verdade, com a constatação de um facto que julgava à partida impensável de todo, acaba por ser o primeiro a render-se, a acreditar fiel e piamente. Entrego os pontos sem espanto. A tua embarcação que navega pelos meus sentimentos alcançou bom porto. Enchi-me de esperanças, e quis que tu fosses eu. Secretamente impelia-te a assumires a forma do reflexo construído pelos meus sentimentos. Incito-te a dobrares o cabo.

Em cenários atípicos, desenham-se, florescem sintonias que rodopiam velozmente sobre a luz de quem as sente. Perduram não respondendo a qualquer senso. Rindo-se dos demais que as observam de forma espantada de quem não compreende. As mentes insanas, distantes numa conjectura espacial rompem com a vulgaridade do dito normal. Entreguei-te a minha razão quando esbati face aos argumentos ofuscantes que me apresentavas despretensiosamente, mesmo sem quereres exibi-los. Perseguem-te para onde quer que vás, são inerentes, como que inseparáveis à magia estrelar do teu ser.

O horizonte longínquo apresenta-me um vendaval tranquilo e harmonioso que me traz a essência do teu cheiro mesmo sem que o olfacto o reconheça. O figurino da tua aparência ainda não percorrido, é-me familiar à palma da mão. Aconchegasse numa simetria transversal. Desenho um círculo no ar onde cabem todas palavras infinitas que te quero pronunciar. Um círculo que exalta a pressa de te mostrar que existem sentimentos e emoções que abafam e submergem a lógica. Existem sintonias que não se explicam, sentem-se como se amanhã o mundo fosse desmoronar para não mais acordar. Qual exponente máximo da reciprocidade.

16 comentários:

Joana ' disse...

Faltam-me as palavras...

A tua capacidade de expressares os teus pensamentos/sentimentos, através das palavras está a aperfeiçoar-se de texto para texto..!

Tens Talento André, imenso Talento..

Beijinho

messy disse...

Seguimento do comentário anterior,

tens MESMO talento!

(: ***

Ana disse...

Para não estar a ser repetitiva, assino por baixo! :)

Unknown disse...

Dá-me a sensação que o tão esperado equilibrio se aproxima de ti :)
Não sei bem se era esta a conclusao que querias que eu tirasse deste tão belo texto, mas foi aquilo que entendi deste.
Luta por aquilo que acreditas, se for erro aprenderás com isso.
Fico contente por ti,
apoio-te :)*

Beijinho Rebelde :D

'Mimi disse...

E quantas vezes não preferiamos que as coisas fossem assim? Sem pensar no amanhã, só importando o que se sente no momento?

muito bonito ;D

Chamem-me o que quiserem - desde que me chamem. disse...

ANDRÉ:
A sério - estás a tratar da publicação do livro? Tu és uma descoberta Nacional, rapaz! Sempre fantástico, sempre cativante e surpreendente...
Obrigada por tanta qualidade.
(E o trabalho, corre bem?)
KISS

Joana ' disse...

Caro André, todos os comentários aqui deixados, são sinceros e verdadeiros e não precisas de agradecê-los... Fazendo alusão ao comentário da ClaudiaMar, Assim que publicares o tal livro, avisa.. Eu estarei na primeira fila! xD

Não sei se sou merecedora de tanto apoio, por vezes sinto.me a pior pessoa do mundo... Mas pronto, todos temos o direito a vacilar um bocadinho, a fraquejar.

Tenho a noção de que o texto está fraquinho, um pouco pobre talvez, mas está sentido.. E como costumo dizer, o excesso de sentimentos tolda-nos as palavras! No entanto, agradeço-te o comentário tão inspirador.. É sempre um prazer ler as tuas palavras! :)

Beijinho

. disse...

Talvez seja a raiva que tenho de mim própria, em alguma parte que desconhecia, bem mas alguns textos até ficam 'interessantes' ahah
E obrigada por passares, também gostei da tua escrita André :)

Ah, quanto a este texto, não sei se é um sentimento real ou se escreveste-o a partir da imaginação,.. mas será uma relação 'virtual', o elemente chave?

ADEK disse...

É a primeira vez que passo por aqui, mas adorei ler o que escreves. Até breve! Beijinho*

me disse...

Bem André não vale a pena dizer que está fantastico, e essas coisas loool, pois tu ja sabes disso. Apenas digo que se arriscares e tentares ums ediçao em livro das coisas que escreves aqui no blogue, é muito provavel que o consigas, tenta, não perdes nada com isso... pelo contrario!

Anna Filipa disse...

Ola estranho

Mia disse...

Os teus textos são fantásticos...
Tens uma muito grande capacidade de escrita :D

Nessinha Moreno disse...

Andréziiito ^^

Obrigada pelo apoio e carinho, por fazer com que eu tenha mais e mais vontade de escrever. rs

Sei que você já escreveu um texto mais recente, mas eu não poderia deixar de comentar nesse, que tanto me encantou.

A forma tão bela que você usou para descrever o seu amor e sua amada, as palavras doces, carregadas de sentimento.
Sentimento tão encantador, suave, envolvente.
Não sei se é a expressão do que você sente no momento, mas espero, de verdade, que seja. E que esse sentimento seja recíproco.
Sorte sua se for e, principalmente, sorte dela.

Parabéns pelos textos. Mil vezes, parabéns!


Beijinhos.

M.C disse...

A capacidade de expressão unida á capacidade de fazeres acreditar que afinal existem homens que sentem desta forma,com este amor,com este querer,sem medos de o admitirem..posso e vou repetir-me enquanto me sentir embalada pelos teus textos..São fantásticos.

Anónimo disse...

Parecia que estava a ler um bom livro. Escreve sempre!

Beijinho

Paulo Alvarenga disse...

seu texto espressa o momento exato, moderno atual realmente inusitado e muito bem escrito, adorei seu blog meu caro!