I
Perdido neste insípido banco de madeira. Neste escuro e sujo assento, perco-me e encarno em mim o mundo exterior. Deixo-me ficar prostrado no jardim que floresce agora, fruto de um sol madrugador que trás com o dissipar da neblina matinal, a renovação do clico de vida e espécies que rebentam continuadamente. Observo mudo no mais caricato silêncio interior, acompanhado somente pela astúcia cirúrgica, o reboliço mecanizado que vigora e exala em minha volta. Alheio a qualquer espécie de interacção ininterrupta, rodopio suave e lentamente a mente. Que vai esboçando geometricamente a régua e esquadro, panoramas fictícios ao compasso do som. Melodia composta e delineada por acordes rectilíneos e estridentes que me vão chegando. Cismam em não mais chamar-me à razão. É um dia bonito, verbalizam-me repetidamente ao ouvido de forma semi-coordenada e melosa. Arremessando ao mesmo tempo tamanha ironia em trejeitos mal disfarçados. O céu do seu alto afigura-se aperaltado, vistoso até no seu jeito engalanado de uma qualquer manhã de veraneio. Alheio vai reinando de cima no seu trono raiado a amarelo-torrado. Cá em baixo, vou até onde a minha caneta me leva, vagueio por vales de folhas de papel esbranquiçadas, que só em mim flutuam fantasiosas.
II
Já esqueceu uma fugaz e desgastada fábula arrojada, que em tempos remotos, teve para si como totalmente sua. Desígnio de vida, carregado junto do seu peito despido e queimado pelo desenrolar dos dias vãos de chama. Era na realidade fogo que consumia e ardia em volta de si mesmo. Era a chama fugidia e gasta que o aquecia, nas noites mais vincadas de frio árctico. O vento zunia-lhe mortífero aos ouvidos, era como que um inverno glaciar fora de horas, deslocado do relógio da sua estação de origem. O conto perdido fora alvo de um atentado ao pudor. Fora manietado. Elaborados planos foram alçados de forma arrojada para o desmoronar por completo, como um todo. Qual castelo de cartas pouco estanque. Foi tudo, não foi nada. Desvaneceu-se para logo de seguida, voltar a erguer-se com a força abrupta. E por fim extinguir-se, deixando atrás dele rasto de estilhaços dolorosos. Deixou de ser Fénix por um dia que durou uma eternidade. Deixou, por se cansar de voltar a reerguer das cinzas, por se cansar de sonhar. No dia em que se esqueceu de sorrir, desvaneceu-se permanentemente. Hoje é figura horripilante, que caminha descalço sob o solo moído e abrasador das tenebrosas trevas. Resiste debilmente à luz solar que o apoquenta, queima-lhe as pálpebras cansadas e desgastadas de jornadas sumidas. Já esquecida ficou a doce sensação do prazer de contemplar sem nada requerer em troca. Hoje beija descrente o lado negro, dá o braço de bom grado às forças malignas, descendo a avenida. Destila impotente ódio no olhar vazio, escurecido. Despreza o mínimo sinal de compaixão, ou mera bondade. Afoga-se na imensidão da fogueira dos seus inúmeros talentos, empoeirados e esquecidos. Encostados à viola que não é tocada. Aos discos de vinil, que jamais ninguém ouvirá. Dá um trago e mergulha em si, escorrega num mundo sadio e cru. Vê-se refletido num espelho quebrado, com uma célula ínfima de uma equação complexa, sem solução à vista. Sem meios, sem fins, adivinha e antecipa um final precipitado. Já antes anunciado como tragédia grega. Se pelo menos tudo fosse tão mais fácil, como rebolar na relva fresca e relaxante do tapete verdejante do jardim. Deixar o cabelo esvoaçante e desalinhado ao vento sem preocupações de maior. Vestir-se debutante de esperanças e correr sem propósito. Correr com uma criança despreocupada que abre os braços ainda débeis de movimento organizado para abraçar o mundo novo de experiências. Ou o miúdo vivaço, que cheio de ilusões, chuta uma bola corroída, impregnado de fé nos seus anseios e sonhos ainda não reprimidos.
III
Lá atrás, em tempos idos, todos fomos assim. Partíamos risonhos à velocidade da luz da ombreira da janela do nosso quarto e descolávamos. Descolávamos em direcção ao nada, mas para o nosso tudo que idealizávamos. Partíamos para não mais regressar ao nosso próprio reino encantado. Reino que agora, só muito de fugida ainda visitamos de forma comprometida.
Perdido neste insípido banco de madeira. Neste escuro e sujo assento, perco-me e encarno em mim o mundo exterior. Deixo-me ficar prostrado no jardim que floresce agora, fruto de um sol madrugador que trás com o dissipar da neblina matinal, a renovação do clico de vida e espécies que rebentam continuadamente. Observo mudo no mais caricato silêncio interior, acompanhado somente pela astúcia cirúrgica, o reboliço mecanizado que vigora e exala em minha volta. Alheio a qualquer espécie de interacção ininterrupta, rodopio suave e lentamente a mente. Que vai esboçando geometricamente a régua e esquadro, panoramas fictícios ao compasso do som. Melodia composta e delineada por acordes rectilíneos e estridentes que me vão chegando. Cismam em não mais chamar-me à razão. É um dia bonito, verbalizam-me repetidamente ao ouvido de forma semi-coordenada e melosa. Arremessando ao mesmo tempo tamanha ironia em trejeitos mal disfarçados. O céu do seu alto afigura-se aperaltado, vistoso até no seu jeito engalanado de uma qualquer manhã de veraneio. Alheio vai reinando de cima no seu trono raiado a amarelo-torrado. Cá em baixo, vou até onde a minha caneta me leva, vagueio por vales de folhas de papel esbranquiçadas, que só em mim flutuam fantasiosas.
II
Já esqueceu uma fugaz e desgastada fábula arrojada, que em tempos remotos, teve para si como totalmente sua. Desígnio de vida, carregado junto do seu peito despido e queimado pelo desenrolar dos dias vãos de chama. Era na realidade fogo que consumia e ardia em volta de si mesmo. Era a chama fugidia e gasta que o aquecia, nas noites mais vincadas de frio árctico. O vento zunia-lhe mortífero aos ouvidos, era como que um inverno glaciar fora de horas, deslocado do relógio da sua estação de origem. O conto perdido fora alvo de um atentado ao pudor. Fora manietado. Elaborados planos foram alçados de forma arrojada para o desmoronar por completo, como um todo. Qual castelo de cartas pouco estanque. Foi tudo, não foi nada. Desvaneceu-se para logo de seguida, voltar a erguer-se com a força abrupta. E por fim extinguir-se, deixando atrás dele rasto de estilhaços dolorosos. Deixou de ser Fénix por um dia que durou uma eternidade. Deixou, por se cansar de voltar a reerguer das cinzas, por se cansar de sonhar. No dia em que se esqueceu de sorrir, desvaneceu-se permanentemente. Hoje é figura horripilante, que caminha descalço sob o solo moído e abrasador das tenebrosas trevas. Resiste debilmente à luz solar que o apoquenta, queima-lhe as pálpebras cansadas e desgastadas de jornadas sumidas. Já esquecida ficou a doce sensação do prazer de contemplar sem nada requerer em troca. Hoje beija descrente o lado negro, dá o braço de bom grado às forças malignas, descendo a avenida. Destila impotente ódio no olhar vazio, escurecido. Despreza o mínimo sinal de compaixão, ou mera bondade. Afoga-se na imensidão da fogueira dos seus inúmeros talentos, empoeirados e esquecidos. Encostados à viola que não é tocada. Aos discos de vinil, que jamais ninguém ouvirá. Dá um trago e mergulha em si, escorrega num mundo sadio e cru. Vê-se refletido num espelho quebrado, com uma célula ínfima de uma equação complexa, sem solução à vista. Sem meios, sem fins, adivinha e antecipa um final precipitado. Já antes anunciado como tragédia grega. Se pelo menos tudo fosse tão mais fácil, como rebolar na relva fresca e relaxante do tapete verdejante do jardim. Deixar o cabelo esvoaçante e desalinhado ao vento sem preocupações de maior. Vestir-se debutante de esperanças e correr sem propósito. Correr com uma criança despreocupada que abre os braços ainda débeis de movimento organizado para abraçar o mundo novo de experiências. Ou o miúdo vivaço, que cheio de ilusões, chuta uma bola corroída, impregnado de fé nos seus anseios e sonhos ainda não reprimidos.
III
Lá atrás, em tempos idos, todos fomos assim. Partíamos risonhos à velocidade da luz da ombreira da janela do nosso quarto e descolávamos. Descolávamos em direcção ao nada, mas para o nosso tudo que idealizávamos. Partíamos para não mais regressar ao nosso próprio reino encantado. Reino que agora, só muito de fugida ainda visitamos de forma comprometida.
4 comentários:
Tens toda a razão em tudo o que me escreveste. Temos segredos e segredos. E os que mais nos moem o coração, são aqueles que contemos com mais força, que guardamos só para nós, porque neste caso, quando um outro sabe, não nos amolece o coração por partilharmos, traz sim, a dor de volta. Partilhar é como nos atacarmos, atacarmos o nosso coração.
Vim agora ler tudo o que tenho perdido neste maravilhoso cantinho e apaixonei-me, outra vez. Porque tens o dom da palavra e eu gosto de as ler. É sempre bom passar aqui, é sempre bom ler-te, é sempre bom receber um comentário teu. És grande, és forte. E tens umas palavras lindas.
Parabéns pelo blog! Estive a ler e gostei muito, escreves muitissimo bem, parabéns!
Tens muito jeito, mesmo!
Desculpa por demorara a responder a todos os teus comentarios, mas nao tenho andado com muito tempo e cabeça para o blog.
Quanto aos elogios que me tens feito, nem sei que dizer :$
É uma sensação optima para qualquer pessoa saber que alguem gosta do que escrevemos, ainda mais se esse alguem for alguem que escreve (como ja disse antes e nao me canso de dizer) dessa maneira magica!
Um muito obrigada por tudoo :')
p.s : adoro mais este post, que como todos os outros, genial.
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